Primeiro dia de calor intenso em Xangai esse ano.
36 graus celsius é o que diz o termômetro. A umidade do ar nos deixa com uma sensação térmica de um calor mais exagerado. O mundo grita nas notícias na mídia. Massacre no Egito, revolta no Brasil. Big Brother nos observando. Snowden. Decepção com a política global e com a ordem mundial. O caos em que estamos mergulhados. Eu moro na China. Me sinto cansada. Aqui começa a temporada das cigarras. Elas cantam. Elas gritam. Elas fazem parte do verão, aquele que vem todos os anos para nos evaporar cada vez que deixamos os ambientes refrigerados, do qual nos tornamos prisioneiros. Primeiro dia de calor intenso, mas não o ultimo.
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Entrei na estação Shanghai Indoor Stadium. Linha 5.
Chove. Monitores pendurados na parede exibem trechos de noticiário e de programas idiotas. A maioria dos chineses brinca com seus celulares. Há também os que dormem. O chão está molhado por causa dos guarda-chuvas. As janelas estão cobertas de gotículas de água. Algumas pessoas estão em pé enquanto o metrô sacoleja. Metrô de superfície, assim podemos ver os blocos de prédios altos que se expõe no mesmo formato e na mesma cor. Motel 168, que parece pipocar em cada esquina. Imagino que tipo de quartos eles têm. Sopa de miojo no café da manhã? O som vindo do monitor é alto e incomoda. Alguns lêem jornal. Cheira à roupa úmida. Árvores verdes. Um céu branco acizentado. Você gostaria de dizer alguma coisa antes de partir? Eu nem gosto de você, não deveria me importar. How do you feel? Pá pá pá !!! Pink Floyd no meu ouvido. Um rapaz do meu lado come dumplings. Estação Beiqiao. Muitos descem. Minha viagem continua. Sinto falta da neve. No lugar dela há poluição. Sinto falta de café com leite e pão quente com manteiga. Torta de chocolate. Tenho fome? Não. Tenho saudade de tempo e lugares que ficaram na lembrança como sinônimos de algo bom.
Tenho jeito? Sim. Haverá outros lugares e outros momentos. Xangai esbranquiçada.
Uma cúpula branca pairando sobre nós e se derramando na forma de substância fluída carregada de poluição. Quando se está em um lugar se quer estar em outro. Quando se está em outro se quer voltar. Para onde? Para onde? A falha, um corte, uma cratera se abrindo no asfalto. Olho pela janela e meus olhos me presenteiam com a ilusão, fantasmas que voam rumo ao céu. Fecho os olhos, minhas pálpebras cansadas.
Pensei em escrever uma história com os mesmos elementos da história que estou lendo, uma assassina no Rio de Janeiro encontrando um homem misterioso, que a contrata para encontrar o livro escrito a mão. Me senti mal, uma sensação ruim dentro de mim. Quando faço uma pausa eu empaco. Esse espaço entre pensamento e ação. Eu investigo, sondo em meu interior esse momento de parada, onde a sensação ruim encontra abrigo. Quando penso que os rapazes, com os quais pego o ônibus todos os dias e converso banalidades no futuro estarão encarando a morte. E esse pensamento oculta o verdadeiro medo: de que muito antes deles estarei eu própria tão enterrada como uma pedra pré-histórica. Pensar na morte só faz prolongar essa sensação ruim, que me corrói ainda mais caustica do que o próprio tempo. A cidade dorme. Finalmente! O mar de luzes que vejo da minha janela me lembra velas acesas numa igreja. Me pergunto se aqueles que têm medo da noite já fizeram suas orações.
Passamos o dia na praia, sentindo a lerdeza no corpo, ouvindo as ondas quebrarem com estrondo na beira. O cheiro de protetor solar misturou-se ao cheiro de água salgada na nossa pele. À noite fomos comer no restaurante ao lado do Resort.
Fomos recebidos calorosamente pela vietnamita, que se alegrava por receber estrangeiros. Em aquários e caixas de isopor peixes, camarões, caranguejos e duas lagostas nadavam e se exibiam para os clientes. Pedimos lagosta, que a cozinheira preparou num molho de cebola, tomate e pimenta. As meninas que serviam e não deviam ter mais de dezesseis anos trouxeram a lagosta em uma bandeja e a colocaram em cima da mesa. Em seguida vestiram luvas de plástico, dessas usadas para se pintar o cabelo em casa, e se puseram a abrir a pança da lagosta com tesoura de cozinha. Depois misturaram a carne rosada com o molho e com batata-frita usando as mãos ainda enluvadas. A lagosta estava uma delícia. De onde estava sentada vi a lua aparecer no horizonte. Primeiro encoberta por nuvens, depois em todo seu esplendor. A lua cheia exibiu uma luz tão dourada que mais parecia o sol iluminando o céu no horário em que devia se recolher. A lua jogou sua luz dourada sobre o mar, que refletiu-se como pedrinhas de diamantes na superfície da água. Fechar os olhos e lembrar de uma cena passada, um fiasco de memória.
Uma imagem tão nítida que chega a doer. O passado desvanecendo-se numa luz pálida. A vida dessa pessoa que no movimento da engrenagem deixará de existir. Essa lembrança não ficará retida em nenhum lugar. Essa lembrança se extinguirá na combustão do tempo. Passei a última semana de dezembro resgatando palavras usadas. Passei o primeiro dia de janeiro copiando e colando o passado, rascunhando o futuro. Passei a limpo os diários, os textos esquecidos no fundo do armário. Passei de ano, cheirando bolinhas de naftalina. Alinhavando tramas, roteiros, ficção. Escrevendo com agulha e linha na carne. Ponto em cruz. Bordando na pele o ano que se inicia. 2012 Dezembro passou e nem vi. Não derramei nenhuma linha. Não chorei nenhuma palavra. E ele se foi. Ponto. |
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